Concebido após ler A faca no peito de Adélia Prado.
Ressalvo os seguintes versos:
“Palavras, quero-as antes como coisas.
Minha cabeça se cansa
neste discurso infeliz.”
Em português
Entra a oradora complexada como tantas outras. Dá o primeiro passo ela que não vê um fundo para o poço onde se encontra há anos. Pensa ela que a sua retórica é repetitiva e maçante. Nada de novo. Vai tentar criar o seu vocabulário imaginário. Impor uma convicção a si. Ela vai quebrar a cara quando chegar no fim do poço. É preciso pensar que por ser como tantas outras é única em si.
É Lua cheia em Escorpião, por isso estejam preparados para o ferrão.
Já vou começar pelo final e acho que esse é o meu erro. Procuro a rendição. Procuro no Outro aquilo que não consigo autogerar a mim própria. Mas por que eu quero esse perdão, por que me sinto culpada na minha própria existência?
Isso não tá ficando nada bem.
Pedir que Ele, não, avisar a Ele que quero o seu corpo, que o meu corpo precisa de um calor estrangeiro, é como se eu estivesse me imolando em praça pública e eu sei que é isso que devo fazer. Ser libertina, sempre expor o que o corpo pede e atormenta a mente. Se eu pudesse estar com os meus pensamentos de outros tempos completamente anestesiada… Mas a minha carne se esquenta e se convulsa na mera lembrança de um suave toque que parecia mais um suspiro, numa quantidade que seria capaz de apaziguar esse incêndio ou torná-lo mais intenso. Já somos seres intensos. Nós que carregamos baldes e baldes de água pelas costas, a metáfora é tão extrema que chega a ser inconcebível. Mas somos assim, incapazes de persistir em regar a roseira porque as flores nos machucariam. Analogia de segunda categoria essa. Devo parar já com isso, a autodepreciação só me levou ao lugar que me encontro hoje.
Corrijo o que foi antes dito, não sou incapaz de alimentar uma paixão, mas aprendi que amar é deixar o Outro ir. Por que vou trocar as suas fronhas se Ele não vem dormir aqui? Eu sei a conduta, mas o meu corpo, aí o meu corpo,,, O meu ser empírico é desvairado ao quadrado. Acredita que a intuição que vem dos órgãos mais enervados é racional dentro da sua irracionalidade. É assim que sinto, que a partir de agora devo levar a vida. Nossa, mas que disparate! Alguns amigos (portugueses) podem dizer. Mas sabem, fiquei tempo demais atrás de uns tipos, de uns desejos, onde a mente devaneava e fechava o corpo. Quero o movimento oposto, ou melhor, quero encontrar a contradição entre as ações –permanecer nesse limbo. Porque eu já me encontro mesmo aqui.
Foi enfiada uma flecha no meu peito, que cicatrizou em volta do corte, e agora com uma navalha tenho que fazer uma incisão para deixar o sangue jorrar. O pior é que eu estou vendo com claridade a minha condição de mulher abandonada que se banha nas águas frias de um rio numa morna tarde de Primavera. A primeira verdade se revelou para mim como um anúncio do efêmero e um negar da eternidade. Eternidade de um único amor, eternidade de um enlaçar de pernas, eternidade de um tesão. Mas é com esse afirmar do mutável que a eternidade se alberga. Me contradiz saber que a felicidade que se sentia como a eternidade flui nas águas do mesmo rio que me banho para limpar o sangue. As feridas ainda não coagularam.
Durante o ato de se abrir a narradora acabou por se distanciar por completo do que aconteceu. Agora é só o teclado que causa uma sensação nela. Tudo se abstrai mas ela não sabe se isso é para o bem. Porque nesse momento tudo parece estar bem, tudo o que aconteceu não fez o palco desmoronar. Talvez seja essa a questão.
Viver em ruínas às vezes faz a sua mente se acostumar com certas coisas. O eterno deterioramento da matéria me cerca. A perda da memória. O trabalho que é se debruçar nos arquivos e ficar com dor de coluna. Quando se está num Estado ruinoso nada se renova, Eneias continua em Troia vendo a destruição, entendeu? É preciso da deslocação de uma linguagem para outra desconhecida. Esse movimento, eventualmente, nos leva para o desdobramento da verdade, o qual é esse enigma, essa figura refletida que não se enxerga porque são 4 da manhã, num poço estreito em alguma vila alemã, onde eu esperava te visitar.
Dá um medo seguir em frente porque tanto o passado quanto o futuro suscitam dúvidas. Mas, no momento presente, a mente tem certeza. Difícil quando se está pensando no passado e o Outro no futuro. Não há forma de se encontrar nessa simulação do presente. É impossível, sabe, tudo fica parecendo um sonho, todos os modos verbais. Pode-se parar aqui, é aqui nessa incomunicabilidade dos sentidos que investigamos uma nova linguagem, uma linguagem que nos transporte. Que Nós possamos permanecer ao mesmo tempo no discurso direto e indireto. Gosto de dizer que quero dormir com ele com a maior seriedade do mundo, com o discurso mais limpo e conciso, mas depois me entristeço com a racionalidade que não ajuda a saciar desejos carnais. Porém, é preciso usar o discurso.
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